2010-10-03

Competitividade


(foto retirada do filme "Shallow Grave")

— Pode me ajudar?

— Sinto muito — o homem bem vestido me disse.

Mas eu sabia ser insistente — Senhor, você pode me ajudar?

— Não ouviu a minha resposta, menina?! — ele rebateu.

— Sim, claro. — lhe disse — E o senhor respondeu a minha?

— Eu disse sentir muito.

— E o senhor sente? Não, ele não sentia. — Pode me ajudar agora?

— Não. Estou ocupado, suando, trabalhando, rezando para que meu oponente esteja dormindo. Eu não preciso dormir. Posso ficar acordado a noite inteira, aqui, de olhos bem abertos, enquanto ele perde a hora e perde a cadeira em que amanhã estarei sentando em seu lugar- -

Ele asfixiou, em momento algum respirando, e morrreu ali mesmo na minha frente. Eu nada pude fazer, afinal ele me convenceu.

Eu era mais importante do que ele, aliás, meus objetivos ainda são mais importantes que seu corpo sem vida, jogado no assoalho frio daquele escritório aconchegante, enrijecendo, e... Ao fim, apodrecendo lentamente.

E lá o deixei pois tinha muito o que fazer: precisava terminar o melhor post do melhor blog, conseguir o melhor emprego para a melhor business woman, fisgar o cara mais bonito para a amiga mais batalhadora.

É triste, mas - por favor - Não concordem comigo.

Se descobrirmos algo em comum nos armaremos

Se descobrirmos algo em comum nos mataremos.

Ah! A competitividade! Não há nada mais amargo, certo e inevitável. E não muito lhe custará, caro leitor.

Talvez, apenas, profundas olheiras ao redor de seus olhos cansados, alguma frieza, muita garra, poucos amigos, muitos domingos tediosos, bons lençóis, um gordo salário e ninguém pra chamar de irmão.

... Bem, é o que eu acho, mas não estou mais tão certa disso.

'olga

2009-09-22

Madness



... olhou-se no espelho, ergueu o braço como se erguesse um trófeu - o pente! O havia encontrado jogado no balcão do banheiro - Como pode? Esperei por esse pente minha vida toda - O aproximou de sua boca, mirou-se no espelho - ainda não pentiara os cabelos que ainda jaziam molhados...

[ olhou dentro de seus próprios olhos, através de seu reflexo no espelho, lá reencontrou seu olhar refletido e como que ciclicamente se viu louca

- Quantas "eu" existem aqui?

Cantava e dançava, aquele era seu palco, e não haviam bastidores, talvez uma platéia mas esta não a encabulava como aquela que assitia a peça da escola. Neste monólogo só havia espaço para ela.

[Desafinava, mas não notava, errava a letra mas não percebia,
tropeçava mas não caía__



Como os loucos da rua: daqueles que jogam pedras e daqueles que levam pedradas, os loucos das esquinas que dormem ao relento e acordam cantando. Ela não notava, mas nascia uma louca.

'olga
Oh, Riverman... She wasn't sure!

2009-08-31

harold and maude - 1971


"A campainha da porta tocou. Eu saí para o corredor e aqueles dois policiais estavam vindo encontrar minha mãe e, ah... falaram com ela que eu havia falecido em um incêndio. - Eu decidi ali mesmo que estava me sentindo bem estando morto."



Um grande filme!
obrigada pela recomendação, Paulo.


now i'm sure

2009-08-20

I did all my best to smile

... E como se eu estivesse na casa da minha tia - eu não estava na casa da minha tia - na cadeira proxima ao antigo portão vazado eu o vi chorando. Uma criança? Não! Um homem, alguem com quem eu nunca pude me expressar, aquele que ao longe, naquela esquina, muitas vezes ignorou meus olhares socorristas. - Eu posso ajudá-lo?

- Minha esposa... - ele balbuciava - ... minha esposa.

Mas ele não era mais casado - na verdade nunca havia sido... Ele abdicou de tudo isso no momento em que fizera a escolha de sua vida - ou talvez de sua morte.

- Posso lhe dar uma carona? - com os olhos, ele aceitou o meu socorro - ah... mas eu não tenho carro.

- Não tem problema, eu aceito - ele havia feito essa escolha, mas eu escolhi acordar. E desperta, decidi fazer as escolhas certas... Pelo menos até o dia em que, numa esquina, ignorei os olhares de um alguem. Hoje olho pelo antigo portão vazado da casa de minha tia - uma lágrima rola pela minha face.

- Minha vida... - eu balbucio - minha vida...


-/' river man said; she wasn't sure

2009-08-12

Sala de Espera


- Ás vezes eu tenho medo
- Medo de quê?
- Disso tudo não ser um sonho, Dr. Almeida - ela respondeu se espreguiçando no divã.
- Explique-se melhor – ele insistiu
- Vivo constantemente esperando por alguma coisa.
- Que tipo de coisa?
- Se eu soubesse...
- Mas como não sabe? - o psiquiatra interrompeu
- Simplesmente não sei. Vivo uma sensação que não sei se é ruim ou boa.
- A sensação que você sente...
- Não sei se é ruim ou boa! - a garota disparou
- Eu já entendi, Carolina. – o médico falou pausadamente - Prossiga.
- Essa sensação de sala de espera ...
- Sala de espera? – com ar de riso, mais uma vez ele perguntou.

Ser psiquiatra é muito fácil, você só tem que perguntar, perguntar, perguntar e
[ perguntar...

- O Sr. Sabe... É como quando você vivesse à espera de algo...
- Hmm - mostrou-se interessado
- Como se... Um dia você fosse despertar de um sonho
- ... Despertar de um sonho - ele repetiu
- É, doutor, despertar! Você já sentiu isso?
- Não, mas, você sente isso?
- Estou dizendo que sinto! Sinto como se eu vivesse minha vida em vão, como se eu nunca pudesse alcançar a felicidade. Preciso acordar desse sonho, doutor!
- Mas você me falou no inicio que tinha medo de tudo isso não ser um sonho.
- Ah... Eu preciso me livrar dessa sensação, mas no caso de não ser um sonho, isso implicaria em admitir que...
- Aqui estar a receita. – ele interrompeu - Você sabia que o tédio é o principio de uma depressão?
- Tédio? Que tipo de pessoa vive no tédio, doutor?
- O tipo de pessoa que vive em vão, Carolina.

Uma vez ouvir alguém dizer que não há nada pior do que viver em vão.
[
Porem é algo que não se pode evitar] É como uma morte emocional... Como uma morte para a realidade. Como quando você se pega sonhando mais e vivendo menos. É estimular a fantasia descartando a realidade, mas não migrar para o campo da ambição.

- É como morrer jovem e ainda estar pronto para isso. É simplesmente esperar.
É claro que isso tudo é um passo para o tédio e que este por sua vez é um pulo para a depressão.
Eu acho que tenho medo, mas eu não estou muito certa disso.

2009-08-06

7h3 n00b

- Ele estava assaltando o meu estabelecimento, seu policial.

~~

- Passa tudo que tiver no caixa - gritava o jovem nervoso apontando uma arma na cara do funcionário.
- Não atire! - implorava o outro enquanto lhe passava uma sacola recheada de alguns reais
- Não tô aqui pra atirar...
- Bem, estas foram as ultimas palavras do jovem meliante, pois alguém mais experiente havia lhe tirado a vida. Seu corpo - impulsionado - caiu por cima da caixa registradora; uma daquelas antigas que emitem um som bem característico. Sua queda arrastou tudo mais que se encontrava no balcão. Primeiro, sua arma foi ao chão, seguida pela sacola cheia de dinheiro. O sangue escorria-lhe pela nuca - a cena estava feita.

~~

- Não tenho culpa se o meu cliente atirou no menor, o senhor não acha?
- Ahn... Luís dos Santos não era menor, senhor. Era só um meliante.... Um azarado.

~~

- Eu sinto muito, não sou o cara certo pra você - Nem quero que sinta pena de mim, certo? Não sou um filho perfeito, me desculpe. Não sei escolher minhas amizades. Não estou limpo e isso não faz de mim um bom exemplo. Sinto muito também por ser pobre e ainda mais por fazer disso uma falsa desculpa para a minha real situação. Não tô aqui pra atirar em ninguém - mas... Disso eu não tenho tanta certeza.

2009-07-01

A place to be

Tudo começou, claro, com a minha morte, esta era esperada por mim, porem aqueles que me cercam jamais pensaram que este dia chegaria tão cedo. A única certeza que eu tinha em minha vida de 35 anos anunciou-se ao fim duma sexta-feira de julho, tão demorada quanto o cerrar duma porta, num breve click - me fui.
Minhas despesas já estão todas pagas, só peço que deixem um pouco (do pouco) que tenho para este simpático agente funerário que de forma nobre atendeu ao meu pequeno pedido, encaminhando-me ao crematório mais próximo. De qualquer jeito, peço desculpas por não estar presente no velório. Apesar de ter freqüentado vários, nunca visei estar neste tipo de ambiente. E por falar em “visar”, já avisto a grama do vizinho - nossa, como é verde!
Uma imensa escadaria se faz a minha frente, a trilha sonora poderia ser do Led Zeppelin, mas a música que me inunda os ouvidos é algo bem mais transcendental; give me love do Harrison. A cada degrau deixado para trás um problema se vai. Estou realmente indo pro céu? Quer dizer, eu nunca acreditei nessas coisas. Se eu não morri, desde quando estou usando drogas? A cidade, para trás, vai ficando pequenina – o google earth nunca conseguirá imagens como esta.
Ao chegar ao cume da escadaria uma voz melódica me chama à espalda, penso que sonhei ouvi-la toda a minha vida:
– Antes de estar vivo eu já estava morto – o ouvi dizer. – Num acidente de carro em 1966, alguém me disse que perdeu a cabeça (por mim) – mas seu parceiro de dueto era bem mais interessante; the doggone girl is mine - ele cantava.
– Uma comédia italiana – assim foi a minha vida, não quero acordar nunca.



the river man said she wasn't sure